quarta-feira, 18 de julho de 2012

Lucy in the sky

Não faz diferença!
Esta era a resposta da Janete, cada vez que sua filha, Lucy, de 5 anos, argumentava um motivo para não fazer a viagem de férias para a casa da avó paterna, Dona Laura.
Mas mãe, a vó tem um cachorro bravo que não gosta de mim!
Lucy, você vai porque seu pai prometeu, e ponto!
Mãe, não pega celular na casa da Dona Laura.  Como vou conversar contigo, mãe?
Meu amor, tem telefone fixo e eu te ligo todos os dias quando chego do trabalho, mas você só vai ficar até domingo.  Fique tranquila.
E Lucy, não faz diferença.  Não há argumento seu que te libere do compromisso de ir para a casa da sua avó.
Quando as duas chegaram na casa da Dona Laura, a velha esguia e enrugada estava ao fogão, preparando bolo de brigadeiro e o cheiro era maravilhoso.
Sentiram da porta, mas Rodolfo, o Rotweiller, não aceitou facilmente as visitas.
Latiu babando o portão quando viu Lucy e Janete.
Realmente, Rodolfo não gostava de gente do lado de fora do portão.
Dona Laura veio correndo, ordenou baixinho para Rodolfo ficar quieto e ele obedeceu.
As duas entraram.
Lucy tremeu quando passou ao lado do cão sentado e, sentiu a respiração do Rodolfo no seu braço.
Janete alertou Lucy antes de chegarem para que não fizesse desfeita na frente da avó.
Lucy, boa menina, obedeceu.  Ao menos na frente de Janete.
Quando a mãe se foi, Lucy ficou sentada, imóvel, na cadeira da cozinha, onde o cheiro do bolo era forte e doce, quase enjoativo.
Lucy adorava chocolate, mas tinha um medo tremendo de Dona Laura.
A verdade era que mal se conheciam.
Dona Laura era alta, magérrima, tinha cabelos longos, marrons quase ruivos e olhos verdes.
As unhas sempre feitas e o rosto sempre maquiado davam-lhe uns 15 anos a menos dos 60 que tinha.
Lucy nunca ficara sozinha na casa de Dona Laura e o fogão gigante a assustava.
Lembrava-se sempre da história de João e Maria na casa da bruxa malvada, quando olhava aquele fogão.
Dona Laura não era do tipo que fica tentando agradar qualquer um, mas gostava muito da neta.
Lucy era parecida com a mãe.
Tinha os cabelos finos, castanho claros e os olhos castanho escuros.
A pele era clara e o tamanho da menina era bem normal para a idade.
Dona Laura convidou Lucy para ver o bolo que acabara de tirar do forno.
- Sinta o cheiro Lucy.
Lucy aspirou o aroma do bolo e tonteou.
Voltou para a cadeira e disse, educadamente: Que delícia, vó.
Dona Laura fez um café para si e um chocolate quente para Lucy.
Comeram o bolo ainda quente.
Quando terminaram, Dona Laura disse para Lucy que podia ir brincar no jardim, se quisesse.
Lucy saiu saltitando, feliz por não ter que ficar dentro de casa.
Afinal, estava de férias e já passava o ano inteiro entre quatro paredes.
Quando saiu pela porta, Rodolfo a encontrou, balançando o rabo como criança.
Parecia que Dona Laura encantava o cão.  Ora ele era um  monstro, ora um bebê bobo.
Lucy, a princípio ressabiada, esticou o brancinho rumo ao fucinho de Rodolfo.  Ele baixou a cabeça e aceitou o carinho da menina.
Rodolfo era um bom cão, contanto que não mexessem em sua calda cortada.
Lucy entendeu logo que tinha um parceiro.
A casa de Dona Laura era estranha para ela.  Tinha quintal, cão, doces, vizinhos para brincar e paparicos que os pais não davam à filha.  As novidades assustam crianças de cinco anos que tem horário até para escovar os dentes.
Dona Laura, animada com a visita, tratava Lucy com os mimos que não deu aos filhos, pois, assim como os pais de Lucy, Dona Laura trabalhava quando tinha os filhos pequenos.
Quando passou o fim de semana e Janete veio buscar Lucy, ela começou a ladainha ao contrário, com trocentos motivos para ficar mais uns dias com Rodolfo e Dona Laura.
Janete já veio com sua resposta automática ligada: Não faz diferença Lucy.
Não podemos, querida.
Não temos tempo, meu amor.
A vovó vem nos visitar.
Não, o Rodolfo não pode vir com ela, querida.
Não, não e não...
Janete, coitada, está condicionada.  Assim como Dona Laura estava quando trabalhava, cuidava da casa e dos filhos.
Dona Laura disse adeus à neta com lágrimas nos olhos, esperando que logo Lucy voltasse para que ela ficasse apenas olhando, feliz, a neta brincar solta, com a calma e tranquilidade que não teve vendo os próprios filhos brincando.
Mas é assim mesmo, hoje em dia: as pessoas trabalham e fazem filhos, e cuidam da casa, e estudam...  E fazem de tudo um pouco, do jeito que dá, que é o melhor que podem fazer.
Essa vida moderna é tão moderna que quando se inventa de ter uma vida mesmo, algo além do 'segunda à sexta', mal se respira.

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